quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

A FICÇÃO DO DIREITO


E chegamos a esse terrível lodaçal em que todos os sentimentos são falseados, em que não se pode querer a justiça sem ser chamado de interesseiro ou vendido. As mentiras se espalham, as histórias mais tolas são reproduzidas pelos jornais sérios, a nação parece atingida de loucura, quando bastaria um pouco de bom-senso para recolocar as coisas no lugar. Ah! como seria simples, digo outra vez, no dia em que os mestres ousarem, apesar da multidão amatilhada, ser homens corajosos! (Émile Zola, Eu acuso!).

Vivemos em um país onde todos são suspeitos de cometer algum crime. Basta uma denúncia e uma investigação forjada para confirmar as suspeitas, pois tudo é passível de ser tipificado, para usar o jargão jurídico, um crime. No Brasil, atualmente, a casta do judiciário assalta a sociedade e viola todas as leis, apesar da Constituição. Perseguem implacavelmente seus “inimigos”, criminosos por decreto. A justiça se coloca acima de tudo, até mesmo da justiça. Porém, ao contrário do que dizem, não vivemos num estado de exceção, mas, diante da verdadeira essência do Estado de direito quando, este, perde o controle da dominação das leis. Lembro-me, muitos anos atrás, de que certa vez, ao precisar recorrer à justiça, meu advogado ter me dito categoricamente: “Você não tem direito”. Sim, meu defensor disse com todas as letras: “Você não tem direito”. Até o Maluf tem direito; pelo menos direito a muitos advogados... Até o Escadinha tem direito... O Al Capone... Mas eu, cidadão comum, honesto, trabalhador, não tenho direito. Convicto, no entanto, dos meus direitos, e motivado por um profundo sentimento de justiça, fui procurar outro advogado. Ao contratá-lo e alegar minha ignorância a respeito de detalhes de um aspecto obscuro de uma legislação específica, aquele replicou, em tom de censura: “A nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis”. Mesmo sendo leigo em assuntos jurídicos, tenho curso superior completo, pós-graduação, especialização, proficiência em língua estrangeira etc. Imagino então os milhões e milhões de brasileiros que não tiveram a mesma oportunidade de estudar, por falta de recursos, num país tão desigual, e sequer imaginam um dia cursar uma faculdade. Muitos analfabetos funcionais. Muitos analfabetos, ainda. Infelizmente. A nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. A que nível do ridículo pode chegar um ser humano! Como alguém pode falar tamanha bobagem com tanta seriedade e orgulho? A nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. Eis a utopia da justiça: um mundo tal qual uma Torre de Babel habitada por juristas. Melhor não seria dizer, presídio? A nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. Ou seja, o único direito de fato é vedado ao cidadão comum. A verdade é que ninguém conhece as leis, nem mesmo os juristas. E mesmo que, supondo, estes acreditassem conhecer, isto pouco importaria. A justiça é como um demônio que muda de forma toda vez que é pega pelo rabo, enquanto prepara o bote fatal. A nenhum brasileiro é dado o direito de desconhecer as leis. Premissa do absurdo, se o único direito real é negado ao povo, então o que dirá os outros! Assim, toda uma nação é condenada, por princípio. Não pelo seu suposto crime (o desconhecimento das leis), mas pelo crime de seus juízes. A justiça não é para todos, apenas para poucos. A justiça é a arma dos verdadeiros criminosos, porque, na história da humanidade, só os assassinos são inocentes.

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