segunda-feira, 7 de maio de 2018

ALIENAÇÃO (PARTE 2): A NEGATIVIDADE DO TRABALHO


Proudhon, Marx e a propriedade privada: o sentido negativo de trabalho


por Jean Pires de A. Gonçalves

Quando Marx escreveu os Manuscritos ainda não havia rompido definitivamente com Proudhon. Prova disso é que em um texto posterior escrito em parceria com Engels, A sagrada família, de 1845, Marx defende Proudhon dos ataques dos jovens hegelianos, os irmãos Bauer, reconhecendo o socialista francês como “o primeiro socialista científico”[1].

Nos Manuscritos, há algumas referências a Pierre-Joseph Proudhon. Para entendermos a diferença fundamental entre Marx e Proudhon é necessário compará-los. Vejamos, portanto, alguns extratos selecionados do mais célebre memorial da propriedade escrito pelo, como evocava Bakunin, “pai de todos”: O que é a propriedade? Tal desenvolvimento vai nos ajudar a compreender o próprio conceito de propriedade privada e do trabalho nos Manuscritos econômico-filosóficos.

Na formulação do livro de Proudhon, de 1840, que relançou o “slogan” socialista de 1793, mais emblemático do XIX – “a propriedade é um roubo” –, o autor analisa criticamente obras de economistas, juristas e dos utópicos, como Say, C. Comte, Destutt de Tracy, Saint-Simon e outros, para depois refutá-los quase à maneira de um casuísta que quer provar suas teses.

Tomaremos a liberdade de organizar os extratos subscritos em “Tese” e “Antítese”, assim como faz Kant (antinomias), apenas para tornar didático o sentido da dialética proudhoniana.

1. Tese.

Que o trabalho, por si mesmo, não tem sobre as coisas nenhum poder de apropriação:

“‘O problema está solucionado”, exclama Hennequin. ‘A propriedade, filha do trabalho, apenas sob a égide das leis pode gozar do presente e do futuro. Sua origem vem do direito natural; seu poder, do direito civil; a combinação dessas duas ideias, trabalho e proteção, surgiram as legislações positivas...’” (PROUDHON, 1988, p. 81).

“Say dá a entender que, caso o ar e a água não apresentasse natureza fugidia, seriam também apropriados. Adiantarei que isso é mais que uma hipótese, é uma realidade.  O ar e a água foram apropriados não direi tantas vezes quantas se pode, mas quantas foram permitidas” (Ibidem, p. 82).

“No texto de Say, transcrito acima, não se percebe com clareza se o autor faz depender o direito de propriedade da qualidade não-fugidia do solo ou do consentimento que a seu ver foi dado por todos os homens a essa apropriação” (Ibidem, p. 84).

“O direito de propriedade foi o início do mal na terra, o primeiro elo da longa cadeia de crimes e misérias que o gênero humano arrasta desde o nascimento; a mentira das prescrições é o encanto funesto atirado sobre os espíritos, a palavra de morte bafejada às consciências para estancar o progresso do homem rumo à verdade e manter a idolatria do erro” (Ibidem, p. 85).

“Mas toda propriedade necessariamente começou pela prescrição, ou como diziam os latinos, pelo usucapião, isto é, pela posse contínua: pergunto então, em primeiro lugar, como a posse pode tornar-se pela passagem do tempo propriedade?” (Ibidem, p. 90).

“Vamos demonstrar, pelos próprios aforismos da economia política e do direito, isto é, por tudo o que a propriedade pode objetar de mais especioso:

“1º. – Que o trabalho, por si mesmo, não tem sobre as coisas da natureza nenhum poder de apropriação;

“2º. – Que ao reconhecer entretanto esse poder no trabalho seremos conduzidos à igualdade das propriedades, quaisquer que sejam a espécie de trabalho, a raridade do produto e a desigualdade das faculdades produtivas;

“3º. – Que na ordem da justiça o trabalho destrói a propriedade” (Ibidem, p. 93).

“Dizer que a propriedade é filha do trabalho e depois atribuir ao trabalho uma concessão por meio do exercício cria, se eu não me engano, um círculo vicioso. As contradições vão aparecer” (Ibidem, p. 96).

“Para transformar a posse em propriedade, é preciso algo mais que o trabalho, sem o que o homem cessaria de ser proprietário quando deixasse de trabalhar; ora, segundo a lei, o que faz a propriedade é a posse imemorial, incontestada, numa palavra, a prescrição; o trabalho é apenas o sinal sensível, ato material pelo qual a ocupação se manifesta” (Ibidem, p. 97).

2. Antítese.

Que o trabalho conduz à igualdade das propriedade:

“Concordemos, porém, que o trabalho confira um direito de propriedade sobre a matéria: por que esse princípio não é universal? Por que o benefício dessa pretensa lei, restrito à minoria, é negado à massa dos trabalhadores?” (Ibidem, p. 98).

“Quem trabalha torna-se proprietário: fato inegável dentro dos atuais princípios de economia política e direito. E quando digo proprietário não entendo apenas, como os economistas hipócritas, o proprietário de seu soldo, salário, estipêndio; refiro-me ao proprietário do valor que ele cria e do qual o dono é o único a beneficiar-se” (Ibidem, p. 100).

“Minha posição é esta: O trabalhador conserva, mesmo após receber seu salário, um direito natural de propriedade sobre a coisa que produziu” (Ibidem, p. 100).

“Essa quantia paga não basta [o salário]: o trabalho dos operários criou um valor; ora, tal valor é propriedade deles. Mas não o venderam, nem o trocaram; e vós, capitalistas, de modo algum adquiristes. (...) O dinheiro com que pagais as diárias dos trabalhadores mal cobriria a posse perpétua que eles vos abandonam. O salário é a despesa que a manutenção e a restauração diária dos que trabalham exige; estais errado vendo nisso o preço da venda. O operário não vendeu nada: não conhece nem seu direito nem o alcance da cessão que vos fez, nem o sentido do contrato que pretendeis ter lavrado com ele. De sua parte, ignorância completa; da vossa, erro e surpresa, para não dizer dolo e fraude” (Ibidem, pp. 100 e 101).

“O trabalhador precisa de um salário que lhe permita viver enquanto trabalha, pois só produz consumindo. Quem emprega um homem deve-lhe alimentação e manutenção, ou salário equivalente. É o primeiro passo da produção” (Ibidem, p. 103 e 104).

“O salário do trabalhador não ultrapassa suas necessidades diárias e não lhe assegura o salário do amanhã, ao passo que o capitalista encontra no instrumento produzido pelo trabalhador uma garantia de independência e segurança para o futuro” (Ibidem, p. 104).

“Ora, esse fermento reprodutor, esse eterno de vida, essa preparação de um fundo e instrumentos de produção é o que o capitalista deve ao produtor e não paga nunca: e essa denegação fraudulenta é que provoca a indigência do trabalhador, o luxo ao ocioso e a desigualdade de condições. Nisso sobretudo é que consiste aquilo que tão bem se denominou a exploração do homem pelo homem” (Ibidem, p. 104, grifos nossos).

“De fato, se o trabalhador é o proprietário do valor que cria, conforme se pretende e nós concordamos, segue-se:

“1º. – Que o trabalhador adquire a expensas do proprietário ocioso;

“2º. – Que, sendo toda a produção necessariamente coletiva, o trabalhador tem direito, na proporção de seu trabalho, à participação dos lucros;

“3º. – Que, sendo todo o capital acumulado propriedade social, ninguém pode ter sua propriedade exclusiva.

“Tais consequências são irrefragáveis; só elas bastariam para subverter toda nossa economia, mudar nossas instituições e leis” (Ibidem, p. 105).

“Toda criação industrial possui um valor venal, absoluto, imutável, portanto legítimo e verdadeiro? – Sim.

“Todo produto do homem pode ser trocado por produto do homem? – Ainda uma vez, sim.

Quantos pregos valem um par de tamancos?

“Se pudéssemos resolver esse terrível problema, teríamos a chave do sistema social que a humanidade vem buscando há seis mil anos. Diante desse problema, o economista confunde-se e recua; o camponês não sabe ler nem escrever, responde sem hesitar:

Tantos quantos se possa fabricar em tempo igual e com a mesma despesa.

“O valor absoluto de uma coisa é, então, o que ela custa em termos de tempo e despesa: quanto vale um diamante que só custou o trabalho de ser apanhado na areia? – Nada; não é um produto humano. – Quanto valerá depois de lapidado e engastado? – O tempo e as despesas que terá custado ao operário. (Ibidem, pp. 121 e 121, grifos nossos).
        
Contrapondo tese e antítese, Proudhon conclui em sua dialética negativa:

Que na ordem da justiça o trabalho destrói a propriedade”.  Para em seguida afirmar: “A razão última dos proprietários, o argumento fulminante cujo poder invencível os tranquiliza é que, segundo eles, a igualdade das condições é impossível. (...) Se eu demonstrar que a propriedade é que é impossível, que a propriedade é que é contradição, quimera, utopia; e se o fizer, não por considerações de metafísica ou direito, mas pela razão dos números, equações e cálculos qual não será o espanto do proprietário embasbacado? (...) Axioma – A propriedade é o direito de ganho que o proprietário se atribui sobre uma coisa marcada com seu selo. (Ibidem, pp. 133 – 135).

Proudhon parte de duas teses contraditórias, uma jurídica e outra liberal (econômica):

a) que a origem da propriedade não está fundada no trabalho, mas no direito de prescrição; b) que a propriedade não está fundada na prescrição, mas, sim, no trabalho.

Ao contrapor estas teses opostas, Proudhon chega a conceitos muito próximos da mais-valia, trabalho alienado, etc., para em seguida suspender a contradição e, por fim, resolver a questão pela impossibilidade da propriedade, através de um “axioma”. A propriedade só se fundamenta no plano jurídico, por força da lei; no plano econômico, a propriedade restitui o produto aos produtores (trabalhadores). Se isto não ocorre é porque o Estado, pelo direito da prescrição, justifica um roubo (rigorosamente, não-propriedade). “O proprietário, o ladrão, o herói, o soberano, pois esses nomes são sinônimos, impõe sua vontade pela lei e não se sujeita nem a contradições nem a controles, isto é, pretende ser poder legislativo poder executivo ao mesmo tempo” (Ibidem, p. 239). Para Proudhon, o projeto socialista, através do conhecimento trazido à luz pela ciência, inevitavelmente corrigirá esta injustiça, demonstrando o absurdo do axioma da propriedade. Pois, no fundo, como se percebe, para Proudhon, há “duas propriedades”: 1. a “propriedade injusta”, pressupondo a desigualdade, tendo por princípio as determinações do direito (econômico), fundada pelo “consenso universal”; e 2. a “propriedade justa”, baseada no trabalho (economia liberal), que conduziria necessariamente à igualdade. Por que a economia política mascara essa verdade?

Nesse sentido, para nós, a grande contribuição de Proudhon se deu no plano político, pois insistiu que as contradições da economia capitalista têm por instância reguladora o Estado. Justamente ele, “uma contradição em pessoa”, nos dizeres de Marx. De origem camponesa, na cidade, tornou-se operário (tipógrafo) e talvez contador: “o camponês não sabe ler nem escrever, responde sem hesitar” (citação acima). Autodidata, recebeu bolsa de estudo, mas, acabou expulso da Academia por suas ideias subversivas[2]. Portanto, o socialista francês sentiu na pele a exploração sofrida pelo proletariado. Sendo assim, acabou por pressentir a mais-valia como trabalho não-pago, legitimado pela coerção do Estado, e atribuiu a diferença entre salário e meios de subsistência a um “erro de cálculo”, passível de ser corrigido.

Evidentemente, não entraremos aqui nos episódios que levaram o rompimento das relações travadas entre Marx e Proudhon, que só ocorrerá definitivamente em 1850[3].

Vejamos então qual o teor da crítica de Marx a Proudhon, ainda nos Manuscritos, e tentemos daí descobrir a própria noção de propriedade privada no texto de 44:

Que erro cometem os reformadores em détail, que ou desejam elevar o salário e por este melhorar a situação da classe trabalhadora, ou consideram (como Proudhon) a igualdade do salário como objetivo da revolução social? (Marx, 2008, p. 30).

Vimos que para Proudhon, na medida que o trabalho conduz à igualdade de propriedade (ou destruição da mesma), o trabalhador também tem direito “à participação dos lucros”. Para Proudhon, o “operário não vendeu nada” –  preço de venda de trabalho na forma de salário mal cobre as despesas mínimas do trabalhador – pois ao alugar (vender) sua força de trabalho foi enganado pelo proprietário ocioso, que o roubou. Marx, ao contrário, parte do trabalho alienado, como fundamento de sua argumentação. E, como vimos, o trabalho aparece como a única propriedade do trabalhador, que o vende como qualquer mercadoria:

Que significado tem, no desenvolvimento da humanidade, esta redução da maior parte dela ao trabalho abstrato? (ibidem, p. 30).

A economia nacional considera o trabalho abstratamente como uma coisa; o trabalho é uma mercadoria: se o preço é alto, a mercadoria é muito procurada; se é baixo, [a mercadoria] é muito oferecida; como mercadoria, o trabalho deve baixar cada vez mais de preço: o que força a isso é em parte a concorrência entre capitalista e trabalhador, em parte a concorrência entre trabalhadores... (ibidem, p. 35 e 36).

Em relação a Proudhon:

A economia nacional parte do trabalho como [sendo] propriamente a alma da produção, e, apesar disso, nada concede ao trabalho e tudo à propriedade privada. Proudhon, a partir dessa contradição, conclui em favor do trabalho [e] contra a propriedade privada. Nós reconhecemos, porém, que esta aparente contradição é a contradição do trabalho estranhado consigo mesmo, e que a economia nacional apenas enunciou as leis do trabalho estranhado. (ibidem, p. 88).

Mesmo a igualdade de salários, como quer Proudhon, transforma somente a relação do trabalhador contemporâneo com seu trabalho na relação de todos os homens com o trabalho. A sociedade é, nesse caso, compreendida como um capitalista abstrato. (ibidem, p. 88).

E ao denunciar a negatividade do trabalho alienado, Marx demonstra simultaneamente a positividade da propriedade privada, que legitima o trabalho como propriedade (dos não-proprietários):

Através do trabalho estranhado, exteriorizado, o trabalhador engendra, portanto, a relação de alguém estranho ao trabalho – do homem situado fora dele – com este trabalho. A relação do trabalhador com o trabalho engendra a relação (ou como se queira nomear o senhor do trabalho) com o trabalho.

A propriedade privada é, portanto, o resultado, a consequência necessária do trabalho exteriorizado, da relação externa (äusserlichen) do trabalhador com a natureza e consigo mesmo.

A propriedade privada resulta portanto, por análise, do conceito de trabalho exteriorizado, isto é, de homem exteriorizado, de trabalho estranhado, de vida estranhada, de homem estranhado. (p. 87).

De fato, da contradição Marx descobre uma relação:

A relação (Verhältnis) da propriedade privada contém latente em si a relação da propriedade privada como trabalho, assim como a relação dela mesma como capital e a conexão (Beziehung) destas duas expressões uma com a outra. (ibidem, p. 93).

A essência subjetiva da propriedade privada, a propriedade privada enquanto atividade sendo para si, enquanto sujeito, enquanto pessoa, é o trabalho. (ibidem, p. 99).

Neste sentido, a propriedade privada não tem valor intrínseco, objetivo, mas é resultado de uma relação social subjetiva, isto é, resultado da atividade que constitui seu próprio mundo. “Quanto vale um diamante que só custou o trabalho de ser apanhado na areia? – Nada; não é um produto humano. – Quanto valerá depois de lapidado e engastado?” (Proudhon, citado acima). Encontrar um diamante, lapidá-lo, aí reside o seu valor. Não é a beleza em si do diamante, ou a sua raridade (oferta e demanda), que lhe torna valioso, mas o processo que demandou um tempo necessário para produzi-lo enquanto produto humano. O direito de propriedade aufere valor ao diamante não para aqueles que trabalharam para fazer torná-lo um produto humano. A propriedade privada é a forma legal do estranhamento.

Trabalho decompõe-se em si e no salário. O trabalhador mesmo [como sendo] um capital, uma mercadoria. (ibidem, p. 99).

Portanto, em Proudhon o trabalho é negativo, “destrói a propriedade” (formal, jurídica), de um lado, e, por outro, positivo, afirma a igualdade, do trabalhador. Em Marx, o inverso: o trabalho (positivo) constitui a propriedade privada e nega o trabalhador (negativo). Proudhon não compreendeu o sentido negativo do trabalho; percebe, no entanto, a negatividade, mas não de modo intrínseco, o que o impediu de fazer a crítica do trabalho, e por isso, sem o saber, reafirma a categoria do capital que espolia o trabalhador[4]. Isto porque Proudhon interpretou com boa fé a premissa do liberalismo clássico, isto é, o trabalho enquanto direito natural gerador de riqueza. Notou que, se de um lado, a classe capitalista enriquecia, de outro, o proletário amargava a mais triste miséria. Tentou descobrir então o que estava errado na economia política e apontou suas contradições. Encontrou no direito à propriedade o “x” da questão. Por sua vez, Marx, ao contrário, descobre o negativo no próprio trabalho – como fonte de riqueza privada apropriada pelo capital. Marx assim o explicita numa fórmula: “o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão” (ibidem, p. 80). A exploração se dá pelo trabalho, enquanto mercadoria. Este é o sentido da propriedade privada nos Manuscritos, isto é, a legitimidade de uma relação de acúmulo de riqueza ou de valor em si e para si.

Mas o trabalhador tem a infelicidade de ser um capital vivo e, portanto, carente, que, a cada momento em que não trabalha, perde seus juros e, com isso sua existência. Como capital, o valor do trabalhador aumenta no sentido da procura e da oferta e, também fisicamente, a sua existência (Dasein), a sua vida, se torna e é sabida como oferta de mercadoria, tal como qualquer outra mercadoria. O trabalhador [produz] o capital; o capital produz o trabalhador. (ibidem, p. 91).

Tal compreensão do trabalho alienado é fundamental e vai atravessar toda obra de Marx. Em última análise: “o trabalho enquanto a única essência da riqueza” (Idem, p. 100). Ora, por ser o ser humano um ser carente, isto é, um ser com necessidades (físicas, fisiológicas etc.), ele é obrigado por força das coisas a converter-se em trabalhador e oferecer-se no mercado de trabalho; e neste ato, que não é por livre e espontânea vontade nem é plenamente consciente, seu trabalho se volta contra ele, trabalhador.

Fonte: Fragmento da tese de doutorado “Ocupar, Resistir, Construir, Morar” (Depto. de Geografia, FFLCH–USP, 2012), de autoria de Jean Pires de Azevedo Gonçalves (Laboratório de Geografia Urbana – LABUR - USP), disponível integralmente neste blog. Consultar bibliografia diretamente na tese.


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[1] “Para terminar as origens do pensamento de Marx, diremos que o jovem Marx deve a Proudhon mais do que se admite geralmente, devido à ruptura dos dois e aos ataques virulentos que se lhe seguiram. Como Marx, Proudhon foi fortemente influciado por Saint-Simon, e, como Marx, dialetizou o pensamento de Saint-Simon por um lado, e por outro tornou-o revolucionário. O que não pode deixar de chamar a atenção do jovem Marx, mais moço que Proudhon nove anos – um nascera em 1809, o outro em 1818. As primeiras obras de Proudhon “La célebration du dimanche”, 1938, “O que é a propriedade?” 1840 (que o celebrizou) e o volume “Memóire sur la propriété”, 1841, saíram num momento em que Marx não tinha escrito ainda nada; “La création de l’odre dans l’Humanité” saiu do prelo em 1843, alguns meses antes da chegada de Marx em França. (...) Ninguém se surpreenderá pois que as primeiras apreciações de Marx sobre Proudhon tenham sido entusiastas. Desde 16 de outubro de 1842 falava ele, no “Journal Rhénan”, dos ‘trabalhos tão penetrantes de Proudhon’ e, numa carta da mesma época, celebrou ‘Proudhon como o pensador francês mais ousado’. Após ter mencionado Proudhon várias vezes numa obra inédita, ‘Economie Politique’, 1843-1844, Marx dedica-lhe quase sessenta páginas em “A sagrada família” publicado em 1845; defendendo-o contra a incompreensão e as críticas de Edgar Bauer, irmão de Bruno. E Marx escreve: ‘Proudhon submete a base da economia nacional, a propriedade privada... ao primeiro exame sério e científico. Eis o grande progresso científico que realizou, um progresso que revoluciona a economia nacional e propõe pela primeira vez a possibilidade de uma verdadeira ciência econômica. A obra de Proudhon “O que é a propriedade?” tem para a economia social moderna a mesma importância que a obra de Sieyès “O que é a teoria do Estado” para a política moderna’. ‘Proudhon levou a sério o aspecto humano (isto é, social) das relações econômicas, e o opôs nitidamente à sua realidade não humana’. ‘Opôs igualmente às tendências hierárquicas de Saint-Simon um igualitarismo operário’. Demonstrou que o ‘proletariado não pode suprimir as suas próprias condições de existência sem suprimir todas as contradições de existência inumanas da sociedade atual’. E Marx conclui: ‘Proudhon não escreve somente nos interesses dos proletários; ele próprio é proletário, operário. A sua obra é um manifesta científico do proletário francês, e apresenta pois uma importância histórica muito diferente da elucubração literária de uma crítica ‘qualquer’”(GURVITCH, 1960. pp. 39-41).
[2] Proudhon recebeu bolsa de estudo instituída por Madame Suard da Academia de Besançon, à qual recebeu dedicatória no “O que é a propriedade?”. A Academia diante da publicação do livro escreveu o seguinte: “Um membro chama a atenção da Academia para uma brochura no mês de junho último pelo titular da bolsa Suard, sob o título “O que é a propriedade?” e dedicada pelo autor à Academia. Pensa que esta sociedade deve à justiça, ao exemplo e à sua própria dignidade rejeitar por uma desaprovação pública a responsabilidade pelas doutrinas anti-sociais que tal reprodução encerra Pede em consequência: 1º. Que a Academia desaprove e condene da maneira mais formal a obra do bolsista Suard, como tendo sido publicada sem sua autorização, atribuindo-lhe opiniões inteiramente opostas aos princípios de todos os seus membros; 2º. Que seja exigida do bolsista, no caso de segunda edição, a anulação da dedicatória; 3º. Que este julgamento da Academia seja consignado em suas publicações. As três propostas, postas em votação, foram adotadas” (Proudhon, p. 6).
[3] Estas oposições doutrinárias devem provocar a ruptura em 1846 e suscitar a redação da Miséria da Filosofia em resposta a “Os sistemas das contradições econômicas”. Como inicialmente Marx havia negligenciado as oposições que o separavam de Proudhon, negligenciará desta vez os pontos que o aproximam dele. (...) É interessante confrontar “Os sistemas das contradições econômicas” não com a obra que lhe responde, “Miséria da filosofia” mas “O capital”. O livro de Proudhon aparece desde então como um momento importante na evolução do pensamento de Marx, ocasião de uma formulação metodológica, descoberta de uma tentativa que fornecerá um modelo à redação de “O Capital” (VlLAIN, 2001, p.145).
[4] Este já era o sentido da crítica de Marx a economia política e a Hegel: “Hegel se coloca no ponto de vista dos modernos economistas nacionais. Ele apreende o trabalho como a essência, como a essência do homem que se confirma; ele vê somente o lado positivo do trabalho, não seu [lado] negativo” (MARX, 2008, p. 124).


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